Um ex-padre, hoje com 74 anos, foi preso com a suspeita de estuprar adolescentes desde 1961. João Marcos Porto Maciel, conhecido como Dom Marcos de Santa Helena, vinha sendo investigado pela Polícia Civil. Ele é ex-membro das igrejas Católica e Anglicana, e atualmente atuava em um monastério da Igreja Veterodoxa. A polícia reuniu depoimentos de seis pessoas que dizem ser vítimas e deu origem à Operação Silêncio dos Inocentes, deflagrada na manhã desta terça-feira (9).
O caso mais antigo relatado à polícia teria ocorrido entre os anos de 1961 e 1964 em Santana da Boa Vista, município vizinho a Caçapava. A vítima, na época coroinha de sete anos, e hoje com 66, diz ter ficado traumatizada até os 30 anos, quando passou a conseguir ter as primeiras relações sexuais. O crime prescreveu, assim como o de outro homem que relatou abusos à polícia e que, hoje, aos 42 anos, está internado para tratamento psiquiátrico após ter passado por diversas clínicas desde que teria sofrido estupros em Novo Hamburgo.
Mais dois homens afirmam ter sofrido estupros há mais de 20 anos, prazo em que crimes passam a ser considerados prescritos. O mineiro Marcelo Ribeiro, de 48 anos, resolveu quebrar o silêncio e publicou um livro sobre os abusos sofridos entre seus 12 e 15 anos, quando vivia em Novo Hamburgo. A obra foi lida por Alexandre Diel, que afirma ser também vítima de Dom Marcos quando integrava o coral da Igreja Católica no mesmo município. As outras duas vítimas apontadas pela Polícia Civil têm 17 e 18 anos.
Os relatos, incluindo os de cerca de 15 testemunhas, são de épocas e cidades variadas e de pessoas que, segundo o delegado Fabrício Conceição, não se conheciam. Os depoimentos mostram um jeito igual de abordar e tocar os adolescentes, inclusive com uso de remédios para dopar os jovens. O religioso também prometia dinheiro e bicicleta para as vítimas.
Além de estupro de vulnerável (pena de 8 a 15 anos de prisão) ele está sendo indiciado por prescrever ou ministrar drogas desnecessárias (pena de 2 anos de prisão).
Setas indicam Dom Marcos antes de ser padre e suposta vítima em Santana da Boa Vista na década de 1960.
Excomungado da Igreja Católica
Por decreto de bispo da Igreja Católica, Dom Marcos foi excomungado em 2009. O documento recebido pela polícia não cita na prática os delitos cometidos por ele, mas demonstra a insatisfação com os comportamento do padre.
“Considerando as atitudes de indisciplina e desobediência eclesiástica mantidas pelo padre João Marcos de Maciel, Dom Marcos de Santa Helena; considerando as muitas acusações orais, escritas e testemunhais que chegaram à autoridade eclesiástica; considerando os graves danos causados a muitos fiéis por sua conduta não-condizente com o que assumiu ao viver vida pública e definitivamente no dia de sua orientação sacerdotal, havemos por bem decretar sua suspensão canônica.”
Em 2011, Dom Marcos foi expulso da Igreja Anglicana. O documento recebido pela Polícia Civil contém o seguinte trecho que admite falha ao aceitar o ex-integrante da Igreja Católica.
“Diante de uma alta traição e atitude sorrateira de João Marcos Porto Maciel, ele, a partir desta data (maio de 2011), não faz mais parte do clero da Igreja Anglicana do Brasil, assim como todos os monges que o apoiam ou seguem suas loucuras. Vimos, por meio deste, pedir desculpas à Igreja Católica Apostólica Romana por termos acolhido esse megalomaníaco e por imaginarmos estar sendo vítima de perseguições e acusações infundadas, sendo que, convivendo com esse senhor, pudemos ver quem é e como age.”
Modo de agir
Em geral, as pessoas apontadas como vítimas moravam no mesmo local que Dom Marcos, em quartos separados. Conforme a polícia, o religioso, que dava aulas de canto e de flauta, usaria a confiança e a figura de liderança, aplicando doutrina que estimulava a aproximação e a adoração a ele. Depois, começaria um processo de sedução, com a justificativa de que Deus aprovava e que o aluno, por supostamente ser o melhor da turma, receberia um prêmio. A partir de então, iniciavam-se os abusos frequentes, que incluiriam penetração do abusado e do agressor.
As vítimas, conforme o delegado, viam-se presas ao suspeito sem poder confrontá-lo ou compartilhar com outros as intimidades da convivência, sob risco de desaprovação social e familiar. O religioso visitaria o quarto dos meninos à noite e, por vezes, chamaria os adolescentes ao seu quarto.
Os relatos ainda indicam que o ex-padre escolhia um perfil específico para as vítimas: jovens em situação de vulnerabilidade, como órfãos ou carentes. A polícia afirma que ele também fazia ameaças e usava seringas para aplicar remédios que dopassem os adolescentes.
Operação Silêncio Dos Inocentes
Mandados de busca e apreensão são cumpridos por onze policiais civis onde Dom Marcos atua, na Estrada Passo do Salso, na área rural de Caçapava do Sul, além do mandado de prisão temporária para o ex-padre. São 30 dias de reclusão prorrogáveis por outros 30. Durante esse período, a polícia pretende continuar investigando. O inquérito é composto por cerca de 100 páginas.
O religioso será encaminhado ao Presídio Estadual de Caçapava do Sul. O espaço da congregação passa por revista a fim de encontrar materiais que auxiliem na comprovação da suspeita de pedofilia. Os monges e demais integrantes da congregação serão avaliados nesta terça-feira por psicólogos do município. Esses integrantes também são investigados pela polícia.
Racismo
Um outro inquérito está em andamento paralelamente para investigar a suspeita de racismo por parte de Dom Marcos. Essa possibilidade surgiu a partir de um trecho do livro de Marcelo Ribeiro.
“O maestro (como chama o ex-padre na obra) fazia questão de salientar que alguns de nós éramos brancos e outros negros. Ele dizia frases que colocavam os negros em uma situação inferior. Sem saber o que era racismo e preconceito, convivi com essas noções por cerca de sete anos, justamente no período crucial para minha formação de personalidade. Os negros e os carentes eram os que recebiam mais castigos e eram tratados com desdém.”
Em Caçapava do Sul, também foi encontrado um caso de pessoa que se diz vítima de racismo cometido pelo religioso e afirma que trabalhava para uma madeireira quando foi fazer uma entrega ao então padre e foi impedido de entrar ao ser recebido com ofensas raciais.
À procura de vítimas
A polícia acredita que inúmeras outras pessoas tenham sido vítimas de abusos sexuais cometidos pelo suspeito. Por isso, criou canais de comunicação para receber denúncias que ajudem a esclarecer o passado de Dom Marcos. Há pessoas de Santa Catarina e do Ceará que a polícia também suspeita que tenham sofrido estupros, assim como acredita que haja em outras localidades, tendo em vista o número de cidades pelas quais ele passou.
Informações devem ser comunicadas à Polícia Civil pelo telefone (55) 3281.1720 ou pelo e-mail silenciodosinocentes@gmail.com.
FONTE:CLIC RBS